sábado, 4 de junho de 2016

GENTE DE LISBOA [ II ]

«OS ALFACINHAS ( 2 )»


 Gente de Lisboa - ( 1806) - (Estudo Aguarelado de Alberto Souza - (Mulheres em Capote e "Josézinho" em 1806)  in  ALFACINHAS
 Gente de Lisboa - (1814) (Água-tinta de H. L'ÉVEQUE) - Jovem senhora envolvida em seu capote, publicado em "COSTUME of PORTUGAL" em 1814. (Copiado por Alberto Sousa e inserido no seu livro na pág. 181)  in   ALFACINHAS
 Gente de Lisboa - (181?) Estudo de Alberto Souza - (Um estudo de ALBERTO SOUZA a carvão, de uma mulher com capote e lenço) in  ALFACINHAS
 Gente de Lisboa - (1814)-(Desenho de autor não identificado) - (Vista de LISBOA na época, com casal de alfacinhas vestidos com seus trajes típicos. Publicado em França em 1814, por Madame Dufrenoy em "LE TOUR DU MONDE, ou TABLEAU GÉOGRAFIQUE et HISTORIQUE DE TOUS LES PEUPLES DE LA TERRE, etc. Vol. III)   in   O POVO DE LISBOA
 Gente de Lisboa - (1825) Desenho de Jorge de Bekerster Joubert  - (Um marinheiro despede-de de uma alfacinha de capote e lenço, inserido no livro de Alberto Souza, uma colecção de JOUBERT) in ALFACINHAS - Pág. 76
Gente de Lisboa - (Século XIX) - Gravador J. NOVAIS -  (Apresentação de outro tipo de vestuário em Alfacinhas, mulheres do povo, nessa época)  in  LISBOA de ALFREDO MESQUITA

(CONTINUAÇÃO)-GENTE DE LISBOA [ II ]

«OS ALFACINHAS ( 2 )»

Os escravos eram trazidos de sítios muito diferentes: achocolatados das COSTAS DO MALABAR, crioulos das AMÉRICAS e negros da COSTA DE ÁFRICA, sendo estes de longe os mais numerosos. Apesar de relegados, mesmo quando libertados, para os trabalhos considerados mais reles, estes elementos não encontraram, apesar disso, resistência da parte da população local mais pobre que não só com eles acamaradou nos trabalhos e divertimentos, mas com eles, naturalmente se cruzou. Porém, ainda que seja considerável a influência do sangue negro no tipo físico do alfacinha, esta só não foi mais notória, devido à compensação que, por outro lado, operavam as novas ondas migratórias, vindas de vários pontos do país, "OS OVARINOS" da barra de AVEIRO, os "ALGARVIOS" que monopolizaram a faina-marítima do TEJO e, principalmente , "O SALOIO" que ia sendo integrado com as suas terras à medida que a cidade ia crescendo, além de um grupo indiferenciado, vindo de vários pontos e cada vez mais numerosos.

Com sangue proveniente de várias origens, moldou-se assim o "ALFACINHA", recebendo tendências, taras e costumes que, com o tempo, se tornaram os seus.
Assim, os numerosos estrangeiros que nos visitaram em finais do século XVIII e início do século XIX, apreciaram o seu gosto pela música e pelas danças, as suas boas vozes, o seu trato afável, criticavam, em contrapartida, a sua indolência, a sua conformação fatalista com a miséria que fazia dele, frequentemente, um elemento parasitário, pusilânime (de alma pequena) e vaidoso, pronto a aceitar viver de expedientes ou da caridade pública. Preocupava-se, principalmente, em salvaguardar uma aparência ajanotada, procurando, pelo trajo, imitar as classes privilegiadas da sociedade. Até tarde, quer de Inverno, quer de Verão, não abandona o seu amplo capote de que nunca enfiava as mangas e que atirava, com jeito rufia, negligentemente, sobre o ombro, como se duma capa se tratasse. Este servia-lhe para esconder a pobreza e desalinho do vestuário, os instrumentos de trabalho de que se envergonhava e a arma de que sempre andava munido, geralmente uma grande faca de cujo uso abusava, livrando-se de maçadas, pela facilidade em se disfarçar, embuçando-se no seu largo capote. Como este usava um tricórnio que lhe dava um desejado ar marcial, e que teimou usar quando há muito , fora já abandonado pelos oficiais.
Desprezando os "trabalhos braçais" que relegava para a população adventícia, reserva-se, principalmente, para ocupar os cargos públicos inferiores, sendo, também especialmente dotado para alguns aspectos do artesanato tradicional ( olaria, esteiras, ourivesaria, trabalhos de madeira, etc)

A mulher do povo "ALFACINHA", com seu lenço e seu amplo capote, cultivava, por outro lado, uma aparência de devota recatada. Até muito tarde recusou-se a sair à RUA sem ser acompanhada e sempre envolvida, da cabeça aos pés, num capote de beata ou num "JOSÉZINHO( 1 )  de dimensões mais acanhadas.
Recusava-se também mostrar-se com a cabeça descoberta, envolvendo-a num lenço de (MUSSELINA ou MUSSELINE, do francês "mousseline", oriundo da cidade de "MUSSUL" no "IRAQUE") ou Cambraia branca, atado por baixo do queixo que, parece, sabia ajeitar com muito garridice. Em ilustrações dos finais do século XVIII e início dos XIX, aparece também uma "COIFA DE REDE", atada com um lacinho no alto da cabeça, influência clara da "REDECILHA" espanhola.
Rede idêntica usam também os homens que, sobre ela, enfiam, por vezes, o chapéu.
Apesar desta sua aparência de Beata, e da honestidade do seu traje severo, as "ALFACINHAS" davam um grande número das alcoviteiras,  mulheres de virtudes e "ramalheteira" ( 2 ) de LISBOA, severamente tratadas nas caricaturas de RAFAEL BORDALO PINHEIRO. 
   
- ( 1 ) - JOSÈZINHO - Capote antigo de pouca roda, sem mangas e com cabeção.

- ( 2 ) - RAMALHETEIRA -Mulher que faz ou vende ramalhetes ou ramos de flores.

(CONTINUA)-(PRÓXIMO)«GENTE DE LISBOA [ III ]-"OS SALOIOS" ( 1 )».

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